quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ars Prima

Em termos muito gerais, existem seis formas normais de comunicação: falar e escutar, escrever e ler, mostrar e ver. Cada pessoa tem um nível de competência em cada uma desses modos de interação com o resto do mundo. Não existe um grau de diferenciação entre as seis e a ordem imputada por mim não desmerece a quarta em relação à segunda, apenas é a ordem pela qual eu pensei nelas.

A primeira dessas formas, um método extremamente eficiente de transmissão de pensamentos, a escrita foi organizada pelo fim do quarto milênio antes de Cristo, quando a necessidade de manter registros encontrou um limite na nossa memória. Desse ponto primevo, a evolução encontrou muitos becos-sem-saída até seguir pela via alfabética, chegando aos vários que utilizamos hoje.

Contudo, não é sobre a história da escrita que quero digitar, mas sobre a arte da escrita. É dito que toda a atividade humana tem uma arte correspondente, um conjunto de métodos e conhecimentos que tornam o praticante mais capaz naquilo.

Em geral, aprendemos a escrever entre os quatro e seis anos de idade e, desde esse momento, continuamos a rabiscar em folhas de papel, carteiras, paredes, braços, cartolinas, camisas e quaisquer outras infeliz superfícies que estiverem na outra ponta de nossos lápis, canetas, lapiseiras, compassos ou canivetes, rabiscos esses que serão obliterados pelos mais infelizes ainda responsáveis pela limpeza e manutenção dessas tais superfícies.

Como toda a arte, existem pessoas que nasceram com um talento nato. São os poetas e os escritores de prosa, os jornalistas e os articulistas, seres que receberam na sua quantia de valores a capacidade de escolher palavras melhores do que as selecionadas pelos medíocres.

Chegamos aí a um ponto fundamental dessa arte: a palavra, ou melhor, o vocabulário. Um bom escritor precisa ter um vocabulário extenso e abrangente. Quanto mais palavras ele conhece, melhor ele é capaz de comunicar seus sentimentos, suas idéias ou suas ações. Quem não souber o significado de opróbrio não pode chamar o Brasil de "terra do opróbrio", como Lya Luft, ou ignorar canhenho não define com exatidão seu caderno ou seu blog.

Se as palavras são instrumentos cruciais, a escolha delas é o túnel que separa aqueles que poderiam ser grandes dos que são. Um escritor pode escrever para si mesmo e ser feliz e aclamado dessa forma. Talvez ele seja representativo de seus próprios leitores. Via de regra, o escritor deve ser simples quando assim o leitor exige e deve exibir todo seu domínio sobre o vernáculo quando o objetivo é não só ser compreendido, mas entendido a ponto do que lê se sentir imerso no mundo das idéias e pensamentos do que escreve.

Portanto, erro comum é ser complexo quando o simples basta e ser simplório quando uma palavra errada desvia a seta e o objetivo termina incólume, inalterado e incompreendido.

Não obstante, palavra e seleção são ferramentas e de quê elas servem se não houver propósito atrás do manuseio? Um escritor sem idéias e conhecimentos variados é como um carpinteiro que só sabe fazer um tipo de cadeira: ótimo por 10 dias, depois unicamente inútil. Um romancista incapaz de pensar em Machado de Assis, Gabriel García Marquez, Dostoiévski e Somerset Maugham é tíbio. Que dizer, então, do que expõe suas idéias sobre moral, bem e mal e sequer toma nota do moralisch Zeitgeist?

Os mais altos graus de domínio na arte da escrita só podem ser contemplados após a elevação a um grau correspondente, superior ou inferior, na ars secunda, a arte da leitura.

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu pretendia comentar, você falou logo no parágrafo seguinte ao que lia enquanto pensava.

e posso sugerir que você escreva sobre essa relação de atividades humanas e a arte? de onde você tirou isso?