quarta-feira, 14 de novembro de 2007

sábado, 10 de novembro de 2007

Ars Quarta

[Jorge Ben Jor - Os Alquimistas Estão Chegando]

O meridiano dessa compilação, por fim, onde metade dos tópicos passaram-se e outra metade está no porvir, a arte de escutar é de uma contraditoriedade estupenda, a maior parte dos que a citam representando a antítese do que ela versa.

Se a terceira arte é a mais vulgarizada, a quarta é a mais lembrada e, simultanea e algo não surpreendentemente, a menos empregada. De fato, a lógica simples e racional nos dita que, em um mundo onde todos são incentivados a falar o que pensam, poucos são aqueles que recebem as instruções corretas para escutar.

Perceba-se que, se por um lado, ler é compreender não apenas o que está escrito nas linhas e letras, mas também nos pontos e nos espaços em branco, escutar não é apenas absorver e analisar cada palavra dita pelo seu interlocutor, mas também as pausas e as intonações. Para proceder nesta examinação, parece útil montar correlatos entre a segunda e a quarta arte, ler e escutar.

Ao ler um romance, por exemplo arbitrário, para compreendê-lo melhor, ter uma idéia decente do contexto da época, dos valores e da moral vigentes, fornece uma grande ajuda. Analogamente, saber um pouco sobre o estado de espírito e das virtudes e ética seguidas por quem fala auxilia a entender a mensagem.

Livros são, de fato, produtos da mente humana, mas, ao contrário das falas, são pensados, editados e cuidadosamente planejados. Deste modo, embora categorizá-los em gêneros, como relativistas, absolutistas, modernistas, classicistas, simbolistas ou espiritualistas, dê uma noção do que tratam, não é possível afirmar com exatidão que idéias você encontrará ali até lê-lo realmente e, talvez, até relê-lo.

Isto posto, diálogos com pessoas poderiam ser classificados, em tese, do mesmo modo, a partir da pessoa que fala, pessimista, otimista, realista, analista, subjetivista, misticista, abstrativista, se mentes humanas fossem exatas, com limites bem-definitos e sem a contínua possibilidade de mudança súbita ou gradativa de opiniões. Em outras palavras, escutar uma pessoa com um pré-conceito simplesmente não dá certo e, se uma pessoa insistir nisso, somente vai prender-se nos níveis mais baixos desta arte.

À medida que se progride nos ensinamentos desta linha, vê-se que, como com autores e livros, escutar melhor seus pares e opostos, isto é, tentar escutar todo tipo de pessoa, fornece-lhe uma gama quase irrestrita de conhecimentos em relação a objetivos ocultos e segundas ou terceiras intenções em cada frase, assim como no recurso de certas figuras de linguagem e lugares-comum.

Cabe, nesse instante, notar algo muito interessante: enquanto alguém pode melhorar, permanecer no mesmo lugar ou piorar na arte de ler, dependendo do objeto em que ela é aplicada, a arte de escutar sempre é aprimorada quando praticada, independente do momento. Sendo assim, seria de se esperar que ela fosse, entre aspas, "a mais fácil de todas as artes a ser dominada". Ledo engano, ou ainda, engano crasso e grave. Se esta arte sempre melhora, ela apresenta uma limitação forte em compensação.

Depois de muito escutar, atinge-se o patamar que pode ser considerado como máximo, onde você está apto a compreender quase tudo o que alguém diz. E a chave e o segredo para isso está precisamente na palavra 'quase'.

Em equações diferenciais, um tópico de Cálculo Diferencial e Integral, o estudante primeiro aprende a reconhecer a forma geral da resposta, com constante desconhecidas e escopo muito abrangente. No entanto, essa solução geral não serve como conclusão final. Para isso, é preciso buscar a solução particular dentro da geral.

De forma semelhante, a arte de escutar é, juntamente com a sexta arte, ligada intimamente ao conhecimento do objeto analisado. Quanto melhor você conhece a pessoa com quem você interage, muito melhor será sua perícia nesta quarta arte. Portanto, talvez ironicamente, por ser capaz de aprimoração contínua, esta é restrita, e o cume só é atingido em alguns casos específicos.

Isso não significa que escutar é uma arte menor do que as outras cinco, mas que apenas é uma mais seleta. Não há razão para preocupação, pois é tão raro atingir esse nível onde apenas a intimidade permite compreender o que não poderia ser captado por conhecimentos gerais na arte que, no final das contas, não interessa, de verdade, chegar a esse local com algumas pessoas bem-quistas, o que completa o ciclo e a torna tão perfeita quanto todas as outras.

[Tim Maia - Você]

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Ars Tertia

A pergunta bem poderia ser "falar ou não falar, eis a questão?". A terceira arte, a da fala, é uma muito vulgarizada na nossa auto-proclamada sociedade do conhecimento. Novamente ignorando casos óbvios, todo humano atinge um nível inicial nessa área e utiliza-a desde o momento em que acorda até aquele em que cai em inconsciência.

Como mencionado en passant, como dizem os franceses, as primeira e segunda artes são limitadas em seu escopo - apenas uma parcela chega a conhecê-las. Falar, porém, é tão natural e modo tão mais prático de se comunicar que somos incentivados desde o primeiro dia a balbuciar qualquer som.

Talvez por isso mesmo, a tanto não me compete analisar agora, essa seja, de todas as artes, a mais corrompida e desfigurada. Se existisse um contador como esse ao lado para o número de vezes que uma palavra é arremetida no saco das pronunciadas erroneamente ou uma expressão é usada em lugar tão errado que ao interlocutor só resta ignorar o engano, para não causar um grave constrangimento, ele atingiria o primeiro milhar em espaço de tempo mais curto do que o que você levou para chegar até essa palavra aqui.

Na discussão em certa medida interessante sobre qual é o verdadeiro idioma, o falado no cotidiano ou o sacramentado pelas normas da língua, a divisão entre baixa linguagem e alta linguagem torna-se nítida como nunca. Apesar de não ser regra mágica sem exceção, pessoas cultas e literatas costumam utilizar esta enquanto os mais simplórios recorrem àquela.

O domínio da arte de falar é tão vasto que seria possível subdividí-lo em dois propósitos, transmissão e argumentação - todos o arsenal de recursos empregado para subjulgar a vontade alheia e demonstrar que a água, na verdade, é vinho, pertence ao subconjunto da argumentação; o que sobra, técnicas mínimas e comuns para comunicar um desejo ou uma informação reúnem-se na categoria da transmissão.

É, de fato, muito defensável essa postura. Eis que, no entanto, é uma defesa pelo prazer da discussão, pois que é uma falácia: a arte de falar é uma só e, dessa forma, seu domínio é uno. O que pode existir, claro está, são especializações em um ou mais estilos de fala, mas nunca totalmente separados.

Se alguns incorrem na falha do erro crasso, outros caem em armadilha muito pior: são tão verborrágicos, em sua tentativa de brilhar, que terminam por impressionar apenas os mais suscetíveis e menos atentos, aqueles que compreenderam sequer dois períodos do discurso. É bom lembrar que toda palavra tem um significado e, muito embora, ela tenha o sentido que você quer dá-la, independente de ser um que nunca havia sido proposto antes, em sua forma normal, cada uma delas tem seu momento.

Três profissões são notoriamente conhecidas por seu jargão intrincado e, por vezes, completamente desnecessário: os que optaram pelo Direito, uma nobre e, maliciosamente, pérfida carreira, e seu legalês, jogos intermináveis de arcaismos e locuções latinas com o fim único de montar, de facto, um idioma dentro de um idioma; os que se entregam à mais nobre das escolhas, os médicos, escravos, por vezes, de seus termos técnicos; e os que deveriam ser reis, filósofos e pseudo-filósofos, que buscam conceitos tão díspares e tão variados que podem se perder no labirinto de idéias formado.

Talvez seja tempo de lembrar que não penso, quando discuto nossa pauta, nos discursos escritos e preparados de antemão. Não insinuo que não sejam formas válidades de se expressar, visto que algo pensado e ponderado é, muitas vezes, extremamente eficaz e eficiente, mas é apenas uma transfiguração da primeira arte na terceira e não verdadeiramente um exemplo desta última.

Atingir graus elevados nesta arte requer prática, paciência e, não obstante, níveis na sexta das artes, algo que será discutido mais à frente. Até certo ponto, esta arte caminha sozinha, sendo exigido do praticante apenas que reflita sobre o que falou e que busque uma personalidade própria para suas frases. Atingido o limite, a influência de escrever e ler são tão tremendas que avançar sem elas é tarefa hercúlea, reservada para os obstinados e, sem o resquício da dúvida, idiotas.

Falar com emoção genuína também faz parte da transição entre os graus - uma teoria dita monotonamente pode ser perfeita hipoteticamente, mas causa efeito nenhum ou pouco na prática. O interlocutor consegue percebe o estado de espírito do que profere as frases e, nas relações humanas, o morno é repudiado. Emular emoções, produzindo-as a fim de gerar um impacto de interesse, é válido também, e lembra da grande vantagem da fala sobre a escrita - enquanto escrever é quase uma ciência exata, letras impressas são incapazes de transmitir todos os sentimentos que uma só palavra dita.

Há muito mais a ser escrito e dito sobre esta arte, mas temo que o conjunto de explicações para essa parte seja complexo demais para agora, tanto para mim quanto para quem parte só do que eu escrevi. Assim sendo, postergo esse pedaço para uma outra ocasião e, assim como a arte da leitura é o oposto da arte da escrita, a quarta arte é o reflexo da terceira.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Ars Secunda

Se a primeira das artes trata do domínio da codificação das idéias e dos sentimentos, a segunda arte cuida da outra ponta, a interpretação e compreensão de tudo que é escrito, as duas ensinadas simultaneamente nos dias que vivemos, a arte da escrita e a arte da leitura.

Para nós que a exercemos todo dia, a leitura pode parecer fácil, simples e natural, mas não o é. Percebam que aqueles incapazes de relacionar letras a fonemas e fonemas a palavras estão cercados de símbolos impossíveis, repetidos de maneiras díspares, uma multitude deles os rodeando e oprimindo. A prisão dos iletrados é tão cruel que eles passam os dias vagando entre tantas oportunidades de melhorarem e não as realizam porque não as lêem.

São absolvidos de qualquer culpa, portanto, de ingenuidade e incapacidade de raciocínio amplo, já que nasceram mortos para esse mundo, não, universo paralelo a que temos acesso sem pensar. Incorre em falta temível aqueles que têm a capacidade de leitura e as desperdiçam com nada ou coisa pior, pois há pior do que o nada, que apenas é o intermediário entre o bom e o ruim numa escala.

À primeira vista, ler e interpretar as palavras de outrem é tão simples quanto, bem, ler esse texto. Conhecendo todas as palavras, ou buscando no dicionário aquelas que não pertecem à sua memória, você certamente está apto a compreender tudo o que o escritor colocou no papel.

Finitos são os números que podemos pensar e, ainda assim, infinitas vezes mais são as interpretações cabíveis em uma palavra. Numa analogia simplória, sem a chave certa, você apenas vai especular sobre o que está além da porta. Igualmente, sem o retrospecto mínimo, sua compreensão será risível, se não prejudicial a si mesmo.

Veja que a arte da leitura talvez tenha ainda tantos níveis a mais do que a arte da escrita, posto que nem passando todos os minutos de sua existência efêmera lendo você seria capaz de passar uma vez só os olhos por cada letra de todos os livros ao menos medianos já escritos. Se nem os mais importantes e os clássicos damos conta de ler, que dirá essa quantia quase inimaginável.

A arte da leitura, assim como a arte primeira, se beneficiam da prática. Quanto mais você a exercita, melhor você fica nela. Contudo, a arte segunda é talvez ainda mais rica - dependendo do que você lê, sua capacidade se amplia em uma ou outra de n direções existentes. Acompanhar uma revista fútil por tempo demasiado pode até lhe tirar um grau ou mais em certa área.

Para entender Nietzche, por exemplo, há que se ler Nietzche; mas para realmente entender Nietzche, há que se ler Nietzche, Spinoza, Kant, Platão, Proust... a arte da escrita é cíclica e pode tanto tomar o rumo do ciclo virtuoso como o do círculo vicioso.

Uma observação cabível aqui é que enquanto a arte segunda influi na primeira, o contrário é verdadeiro muito restritamente. Escrever auxilia, sim, entender certos aspectos de outros escritos, mas tão limitadamente que somente os melhores escritores podem se beneficiar em um nível noticiável.

Seria sábio, portanto, pensar com cuidado o que se faz. Ler por ler vai causar tanto dano que pode levar tanto tempo para revertê-lo que até o maior ânimo decairá. Errar é humano e é por isso que somos, em grande parte, medíocres.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Ars Prima

Em termos muito gerais, existem seis formas normais de comunicação: falar e escutar, escrever e ler, mostrar e ver. Cada pessoa tem um nível de competência em cada uma desses modos de interação com o resto do mundo. Não existe um grau de diferenciação entre as seis e a ordem imputada por mim não desmerece a quarta em relação à segunda, apenas é a ordem pela qual eu pensei nelas.

A primeira dessas formas, um método extremamente eficiente de transmissão de pensamentos, a escrita foi organizada pelo fim do quarto milênio antes de Cristo, quando a necessidade de manter registros encontrou um limite na nossa memória. Desse ponto primevo, a evolução encontrou muitos becos-sem-saída até seguir pela via alfabética, chegando aos vários que utilizamos hoje.

Contudo, não é sobre a história da escrita que quero digitar, mas sobre a arte da escrita. É dito que toda a atividade humana tem uma arte correspondente, um conjunto de métodos e conhecimentos que tornam o praticante mais capaz naquilo.

Em geral, aprendemos a escrever entre os quatro e seis anos de idade e, desde esse momento, continuamos a rabiscar em folhas de papel, carteiras, paredes, braços, cartolinas, camisas e quaisquer outras infeliz superfícies que estiverem na outra ponta de nossos lápis, canetas, lapiseiras, compassos ou canivetes, rabiscos esses que serão obliterados pelos mais infelizes ainda responsáveis pela limpeza e manutenção dessas tais superfícies.

Como toda a arte, existem pessoas que nasceram com um talento nato. São os poetas e os escritores de prosa, os jornalistas e os articulistas, seres que receberam na sua quantia de valores a capacidade de escolher palavras melhores do que as selecionadas pelos medíocres.

Chegamos aí a um ponto fundamental dessa arte: a palavra, ou melhor, o vocabulário. Um bom escritor precisa ter um vocabulário extenso e abrangente. Quanto mais palavras ele conhece, melhor ele é capaz de comunicar seus sentimentos, suas idéias ou suas ações. Quem não souber o significado de opróbrio não pode chamar o Brasil de "terra do opróbrio", como Lya Luft, ou ignorar canhenho não define com exatidão seu caderno ou seu blog.

Se as palavras são instrumentos cruciais, a escolha delas é o túnel que separa aqueles que poderiam ser grandes dos que são. Um escritor pode escrever para si mesmo e ser feliz e aclamado dessa forma. Talvez ele seja representativo de seus próprios leitores. Via de regra, o escritor deve ser simples quando assim o leitor exige e deve exibir todo seu domínio sobre o vernáculo quando o objetivo é não só ser compreendido, mas entendido a ponto do que lê se sentir imerso no mundo das idéias e pensamentos do que escreve.

Portanto, erro comum é ser complexo quando o simples basta e ser simplório quando uma palavra errada desvia a seta e o objetivo termina incólume, inalterado e incompreendido.

Não obstante, palavra e seleção são ferramentas e de quê elas servem se não houver propósito atrás do manuseio? Um escritor sem idéias e conhecimentos variados é como um carpinteiro que só sabe fazer um tipo de cadeira: ótimo por 10 dias, depois unicamente inútil. Um romancista incapaz de pensar em Machado de Assis, Gabriel García Marquez, Dostoiévski e Somerset Maugham é tíbio. Que dizer, então, do que expõe suas idéias sobre moral, bem e mal e sequer toma nota do moralisch Zeitgeist?

Os mais altos graus de domínio na arte da escrita só podem ser contemplados após a elevação a um grau correspondente, superior ou inferior, na ars secunda, a arte da leitura.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Clamor interno

[Green Day - Holiday

Inspirado por: aqui ]

Imagine pela duração desta leitura que possuímos uma série de corpos em camadas sucessivas. Numa delas, no campo das idéias e dos pensamentos, o que corre pelo nosso corpo no lugar do sangue é o instinto. Não é àquela vontade animal que me refiro, mas ao produto do atavismo, à herança dos nossos genes e do nosso solo.

Somos todos brasileiros e isso, de algum modo oculto e místico, causa efeitos em nosso comportamento e nosso raciocínio. Não, não é devido à maneira com que somos criados, ao que somos expostos desde criança, violência e miséria, descaso e corrupção, festejos e lamentos, não, é algo ulterior, incomensurável por estar envolto por o tal véu que distorce a visão dos homens sãos e racionais.

Entre muitas coisas que esse brasileirismos nos concede, coisas boas e coisas más, existe um clamor interno que grita e arde desde os momentos em que tropeçamos nos primeiros passos até o fim, quando tombamos inertes, nada mais do que o repositório de lembranças, um brinquedo cuja corda se rompeu.

Esse clamor é o autoritarismo. Todos nós acreditamos que temos a solução para o Brasil e para o mundo. Somos todos certos, temos a visão necessária e fosse nos dada a faculdade da decisão geral, levaríamos o país ao seu lugar de direito. Empunhamos a bandeira da democracia, mas reservamo-nos o direito de pensar secretamente que a maioria é estúpida e que o certo seria seguir nossa linha de raciocínio. Quem discorda de nós é impatriota, é néscio, nós que sabemos, nós que queremos o bem, eles, o mal.

Sou brasileiro também, sinto essa voz aos berros em meus ouvidos cada vez que vejo, ouço e presencio ações idiotas e vis oriundas de cima e de baixo. Não nego que acredito que minhas idéias sejam melhores do que as de quase todo mundo ou que tenho a solução para nossa terra, seria mais do que hipocrisia, seria contra o meu princípio-mor.

Porém, mesmo eu, portador dessa pira cujo fogo nada mais é do que a vaidade, sei que a tolerância é a medida que me impede de me consumir e queimar por um segundo, não mais, e apagar-me para sempre. Escutar a opinião dos outros e considerá-la sob todos os prismas e todas as luzes, procurando defendê-la contra sua própria visão é um exercício não necessário, mas vital.

Calem-se por um longo tempo, retenham o fluxo do atavismo que nos corre o corpo e escutem os outros, mesmos os que deprezam. O único que não precisava fazer isso já morreu há mais de dois milênios.

[Preparar o terreno 1/5
Pearl Jam - Black]

domingo, 4 de novembro de 2007

Pelo Portal das Correntes

[Now playing: Vanessa da Mata - Música
via FoxyTunes ]

Sendo isto uma espécie de diário virtual, melhor seria um canhenho virtual, acho que cabe um relato de uma experiência pelo mundo "de verdade".

No Dia de Todos os Santos, resolvi eu, acompanhado por minha inspiração, atravessar o Portal das Correntes: uma apresentação de bandas covers locais de rock. Confesso que não assisti a tudo e que fui afetado drasticamente pelo volume das caixas de som e pelo ritmo contundente, ou ainda, agressivo da música. Porém, aquele que quer conhecer o mundo deve conhecê-lo por inteiro. Parece óbvio, mas não é tanto assim.

Não vou discorrer aqui sobre todos os fatos que lá se sucederam, sobre pessoas que encontrei, mas sobre eventos mundanos que presenciei, que é o que mais me interessa.

O volume da música parece ser de caráter fundamental. Quanto mais alto, mais se sente, fisicamente, as vibrações dos instrumentos, chegando ao ponto do absurdo, onde seu próprio corpo entra em ressonância com as caixas de som. De alguma maneira alienígena a mim, os entusiastas do tal estilo parecem movidos a esse vibrar e se posicionam ao lado das caixas de som. Uma observação talvez pertinente é que depois da terceira ou quarta vez, muito provavelmente a audição já está reduzida a níveis confortáveis, embora não possa afirmar com certeza.

O ritmo das canções deve ser ao mesmo tempo elaborado e simples. Como uma banda permite os dois atuarem conjuntamente, o resultado é uma sinergia admirável, com uma parte da formação se encarregando do que calhei de pensar por base, a batida simplória, mas eficiente, e um ou dois integrantes, provavelmente mais experientes ou habilidosos, encarregados de toda a elaboração. Outra nota interessante é que a velocidade das notas também parece influir e ampliar o efeito.

O vocalista serve como catalisador e organizador de tudo isso. A voz é como um sineiro cuja função é apontar o caminho, corrigir desvios, guiar o público e os instrumentalistas e determinar variações próprias do original.

Curioso é que, apesar da qualidade da banda cover ser relevante, não é tão relevante quanto cover do quê ela é. Fãs de Queen, por exemplo, suportariam uma banda mediana que tocasse os melhores sucessos, embora intimamente eles sejam críticos ácidos e, obviamente, têm uma lista extensa de vários graus onde a cópia é incomensuravelmente [mas mensurável, ainda assim] inferior ao original.

O que mais me chamou a atenção, contudo, foi uma espécie de ritual próprio desse gênero e cuja compreensão é tão absurda que só consegui montar um esboço: a "rodinha". Vários adolescentes, de idades variando de 15 a 25 anos, provavelmente, se atingem mutuamente com golpes com o cotovelo basicamente, jogando-se de um lado para o outro por algum tempo. Ao redor, outros que ou atiram alguns de seus colegas/oponentes ou se movimentam ao centro prontos para entrar no meio da confusão que se instala. A única coisa que me veio à cabeça, confesso, foram homens primitivos e uma tentativa pífia de demonstração de força e masculinidade. Ou talvez seja algo mais sofisticado, mas inerente aos membros dessa classe. Misterioso, de fato.

[Now playing: Mama Cass Elliot - Make Your Own Kind of Music
via FoxyTunes ]

A Sua Música

[Now playing: Titas - Sonífera Ilha
via FoxyTunes ]


Toda pessoa, geralmente falando, tem suas músicas prediletas. Suponho que seja raríssimos aquelas que tenham somente uma ou sequer alguma, então, para propósitos de discussão, ignoro os casos particulares, posto que a solução mais abrangente é a mais eficiente para didática.

Elas podem ser da mesma pessoa ou banda, do mesmo gênero musical ou de origens diversas e difusas. Podem ser músicas cujo nome você desconhece, um trecho apenas que você escutou na carona com um amigo ou aquela canção que sua mãe cantava com você quando todo o mundo se resumia ao quarto dela e o perfume da roupa de cama bordada com flores.

Independente de quaisquer fatores, algo não muda: entre as suas prediletas, haverá uma ou mais com as quais você se identificará ainda mais fortemente. Elas seriam as suas músicas ou, no caso de uma mais única ainda do que as outras, a sua música.

Eis que, na realidade, isso não passa de uma ilusão: uma música só define com perfeição os sentimentos de quem a compôs. É amarga a realidade, mas o que se há de fazer? A não ser que você componha uma para si mesmo, jamais existirá a música que lhe contenha.

O argumento contrário a isso, óbvio, é que existem músicas que, segundo Milton, "me pergunto como não fui eu que fiz". Porém, mesmo a música com a qual você melhor se relacione é adaptada pela sua mente para que você se reconheça ali. Talvez ignorar aquele verso sobre o ódio em relação ao mundo ou como sua mãe foi embora. No limite, tentar agir como o eu-lírico da canção. Não importa, aquele não é você e, não, aquela não é a sua música.

Bem-aventurados os artistas que podem fazer para si réplicas sonoras, escritas ou representadas. Amaldiçoados os artistas que nunca conseguem fazê-lo com perfeição e sempre buscam algo mais.

[Now playing: Rolling Stones - Sympathy For the Devil
via FoxyTunes ]

sábado, 3 de novembro de 2007

Letra e Ritmo

[Now playing: Jack Johnson - Banana Pancakes
via FoxyTunes

Não me julguem! O quê, não posso ouvir uma coisa sem uma letra profunda de vez em quando?]

O título vem de um filme com o Hugh Grant, muito bobo e, diga-se de passagem, alguém precisa falar pro Hugh que ele tem, de fato, um charme inglês, mas que os personagens deles são todos iguais e que isso cansa. É ou não é?

Uma pessoa pode gostar de uma música por alguns fatores intrínsecos ao ser humano. Não posso aqui elencá-los todos, mas posso analisar alguns.

O primeiro fator, o mais abstrato de todos e menos compreensível, pode ser resumido em uma palavra geral: energia. Existe alguma ligação de grau inferior ou superior que está um pouco além do alcance da ciência de nosso tempo [talvez sempre estará] que indica se você é afinado com a tal música ou não. Pode até ser de uma banda com a qual você não tenha total simpatia. Por exemplo, Los Hermanos. Com essa, eu tenho pouca ou nenhuma conexão, mas, ainda assim, admito que me fascinei pela letra de uma das músicas deles. Qual? Pratiquem sua mantéia.

Tirando esse elemento sobre o qual não posso falar realmente, temendo que minha capacidade de análise não chegue a tanto, passamos às duas causas principais pelas quais uma pessoa pode gostar de uma música: ritmo e letra.

O ritmo é a melodia, a batida, a maneira como o cantor pronuncia ou deixa de pronunciar sílabas e palavras. Ele tem um papel primordial porque é dele que você vai se lembrar em primeiro, de uma forma bem mais instintiva do que qualquer coisa. Até os desprovidos de talento musical, eu primeiro da fila, conseguem murmurar ou batucar alguns acordes de canções que acabaram de ouvir e que nunca antes tinha escutado, seja um Bolero de Ravel ou um Mantra.

Opostamente [talvez seja sábio lembrar-me de como é comum dividir a maioria das coisas em opostos... Aristóteles comentou algo sobre isso], pode ser a letra a lhe enfeitiçar. Certos artistas têm o dom de colocar em palavras, simples ou ornadas, sentimentos. Uma verdadeira transmutação alquímica, acredito eu, um correlato com os pintores que lançam em suas telas o terror e a surpresa, por exemplo. Claro, isso não é exclusividade da letra, o ritmo também o faz, mas, quando não se tem a habilidade musical, às vezes, é mais fácil compreender e fazer entender uma música pelas palavras do que pelos sons quase abstratos. Além disso, talvez você seja um dos que se enamorem de uma construção gramatical em específico, da utilização desta ou daquela característica de sintaxe. Ou, por último, você simplesmente lê [ou escuta] a letra e acha que ela passa uma mensagem competente [não precisa sequer ser boa].

Existem músicas que o fisgam pelos dois. São músicas especiais, concebidas sob condições variadas, sem aparente nenhuma ligação [acredito que deva haver uma, não a conheço]. No Brasil, Vinícius, Tom, Chico, Gil, Caetano e Milton são alguns dos que já fizeram uma dessas.

Não é necessário que a música tenha todos os elementos em grau de excelência. Às vezes, você quer apenas o ritmo. Outras vezes, a letra se sobressai à melodia. Não existe melhor ou pior aqui. De fato, com uma ponta de derrota, admito que é questão de gosto.

Como última nota, convém comentar que o ritmo é um canal mais poderoso de emoções. Essa é a razão pela qual as músicas clássicas são colocadas em um patamar tão elevado. Posso soar elitista, mas nem todos conseguem compreender isso e, sim, isso representa que algumas pessoas são piores do que as outras nisso e, em específico, nisso. A lei do equilíbrio universal dita que, no final das contas, somando-se as habilidades e faltas das mesmas, todos são similares.

[Now playing: Yoko Kanno - Call Me Call Me
via FoxyTunes ]

O Seu Estilo Musical

Todo mundo tem seu próprio estilo musical. Algumas escolhem um cantor só, por exemplo, Frank Sinatra ou Roberto Carlos. Em geral, pessoas que tiveram uma vida mansa e gostam de ficar em casa ouvindo o som de uma voz melodiosa e uma letra romântica e doce. Claro, não se pode comparar "O Rei" ao "Blue Eyes", e vocês sabem pra que lado a balança pesa, mas, para propósito de exemplo, eles pertencem a essa categoria mesmo.

Existem também aquelas que selecionam para si uma banda única, como Iron Maiden, Black Sabbath ou CPM 22, sendo esse último, claro, o melhor dos três. Se eu fosse uma criança de dois anos. Retardada. De qualquer forma, me distraí. Essas pessoas costumam adotar o estilo de se vestir dessa banda, suas maneiras de falar, elegem um membro como quase seu guru espiritual e, por fim, decoram cada momento sem som das gravações dela. Elas fazem de tudo pra ter um CD desses caras [ou garotas, sei lá... Pussycat Dolls é uma banda, não é?] ou um chiclete mascado por um deles. Diabos, eles são deuses!

Há também o tipo eclético monoverso ou multiversal. O eclético monoverso, e note que isso que vou falar não é um paradoxo nem um oxinomoro, é aquele que ouve todo tipo de coisa dentro de um só estilo. Pode ser Death Metal, White Metal, Black Metal... err... não sei mais nenhum tipo de Metal, mas tudo isso aí... forró, axé, lambada, tango ou até gospel. Só dá isso, mas qualquer coisa disso. Desde aquele famoso que apareceu na super-mega-ultra MTV! Brasil! [grandes merda...] ou aquele artista local, ele conhece, sabe pelo menos duas letras e ainda sabe arranhar alguma coisa no violão [sempre o violão].

Em contrapartida, o eclético multiversal, como você pode ter deduzido, isso ou você talvez seja realmente fã do CPM 22, da Avril e do NX Zero, é aquele que gosta de vários estilos, entendendo razoavelmente de três ou quatro e com conhecimentos aceitáveis em uma dezena mais [ou dúzia, se você for inglês e medir o comprimento da sua televisão com pés e polegadas, troço idiota... pés e polegadas? Sério? Não dava pra pelo menos usar um membro só, o braço ou a perna? Não, isso seria preconceito... por que não mede em orelhas também?]. Esse talvez seja o tipo mais comum, pessoas que não se "dedicam" a nenhuma espécie, mas passeiam por várias.

Claro, não existe o verdadeiro eclético, aquele capaz de apreciar todos os tipos de música, sem qualquer exceção. Se existir, quero ser uma mula verde, que é o símbolo da MPO. Tá, é um cachorro, mas eu achava que era uma mula, pode ser?

E aonde eu quero chegar com isso? Que todos podem estufar o peito e gritar "Sertanejo é uma merda!" Tá, não é isso, mas não condeno ninguém se o fizer.

É que, como verdadeiro adepto da lógica e da ciência, não consigo entender o que leva uma pessoa a gostar de coisas que acredito serem abomináveis [barulheira do inferno...] e repudiarem grandes clássicos [fala mal do Chico, fala...]. Simplesmente, não faz sentido! Não tem lógica. Nem o fator ah-tudo-depende-de-como-a-pessoa-foi-criada-e-não-tem-melhor-nem-pior-apenas-diferente-e-somos-todos-irmãos se aplica aqui. Talvez no caso dos serial killers, mas não nesse. Se alguém conseguir me explicar isso, prometo que minha vida terá mais sentido. Ou não, também. O Chico vai continuar sendo o Chico mesmo...