quarta-feira, 18 de abril de 2007

Novos Aires

Aqip,

Foi uma viagem um tanto quanto estranha. A partir do ponto onde parei na primeira missiva, eu juntei tudo o que precisava para viajar, abri a porta, andei alguns passos e olhei para trás. Não sei, alguma coisa parecia me chamar dali de dentro. Foi como se a minha casa tivesse tomado vida e ela se mostrasse como um lugar de onde eu não deveria sair. Uma proteção completa que eu estava abandonando no segundo posterior àquele em que eu batia o portão.
Talvez fosse simplesmente medo do desconhecido, não sei. A verdade é que eu fiquei parado por um minuto, talvez mais, de costas para minha casa, olhando para a rua e o vento que soprava ali não era de todo diferente do vento lento a navegar sobre as águas do Estige...
Andei por uns minutos, descendo pelo caminho, pensando nas coisas que ficavam aqui enquanto eu partia, e senti um certo apelo por ficar. Porém, eu saíra pela Porta das Decisões, e isso não me permitiria mudar de idéia.
Resolvi seguir as direções que me foram dadas. São muito simples, mas, ao mesmo, tempo, complicadas de serem realizadas, por exigirem uma capacidade de mudança de linha de pensamento e de interrupção das mesmas um pouco avançada. Passei minhas últimas duas semanas treinando isso da maneira que podia, antes de dormir, olhando para o teto, que é a hora em que as coisas mortas se misturam às vivas em um reino sem limites definidos, mas com regras existentes, ainda que incompreensíveis.
Uma vez realizadas [se quiserem, escrevo outra vez explicitando-as], de alguma forma, encontrei-me numa via de terra entre dois muros muito longos, de pedras angulosas e pesadas, cobertas de musgo. O caminho já tinha sido utilizado várias e várias vezes, mas não encontrei ninguém em trânsito ali. Andei por um tempo até que me vi no alto de um montículo, com uma visão clara para o que eu acreditei ser na hora o meu destino: um vilarejo de pouco mais de uma centena e meia de habitantes, com casas e construções dispostas em semicírculo, todas bem organizadas.
Desci pela esquerda do morro, menos utilizado, ladeado por grama baixa e algumas árvores de folhagem escassa. Andei por uns 400 ou 500 metros, até que um homem que estava à frente de uma carroça, levando um pouco do que parecia ser trigo em direção ao centro da aldeia, avistou-me, deu meia-volta e veio ao meu encontro.
Não repito o diálogo aqui porque quase sempre conversas introdutórias são enfadonhas. O nome do homem era Caius, com us mesmo, e ele devia ter uns trinta anos de idade. Não me perguntou de onde eu vinha ou qual era a minha missão naquela terra, apenas me convidou para jantar com sua família. Ele também me contou que a vila fora fundada há alguns meses e prosperava de maneira ostensiva.
Não pude observar muita coisa da aldeia porque a casa de Caius e de sua mulher, Lutia, ficava à entrada da vila, sendo ele o responsável pela colheita do trigo, segundo me contou, mas consegui ver um grande armazém onde eram estocadas coisas diversas, um granário para o trigo, suponho, e um edifício que aparentava ser o centro da vida que amansava dado que estávamos já quase no plenilúnio.
Estranhamente, porque eu senti que pouco andara, estava exausto e foi de imediato que dormi ao deitar na cama. Acho que permaneci desacordado por umas dez horas, ou mais, até que Lutia me chamou na manhã de hoje.
Vou acompanhar Caius na sua colheita da tarde. Pedi que ele me explicasse algumas coisas sobre a vila e ele me disse que no caminho, nós conversaríamos.
Ainda não sei como enviar esta carta. Caius disse que eu só precisava deixá-la com Lutia, que ela se encarregaria do resto. Pra falar a verdade, é um alívio que eu só tenha pouco pra escrever. Acho que me desacostumei e minha mão já estava incomodando.

Saudações,

Nenhum comentário: