domingo, 3 de dezembro de 2006

O Fim

O gosto amargo e nauseante chega de imeadiato e permanece. O som do mundo preenche os ouvidos, mas não se escuta nada. É o silêncio sepulcral das cinzas dos derrotados, das catedrais do falidos, do rei e do bobo da corte que foram enforcados no mesmo dia. O sentimento é primeiro surreal, quase irreal. Algo distante, um borrão.

Durante incontáveis segundos, a mente insiste em reviver o último instante, em procurar algum modo de mudar o que o tempo já traçou em linhas distintas nos pergaminhos esfacelados do mundo. Em seguida, a solidão domina completamente a alma. O que antes era cinza se torna negro, o negro da mortalha, dos cadáveres podres e das árvores caídas. Como se pudesse rasgar o peito e ferir a alma, algo quer se expandir dentro do seu corpo. Uma revolta interior, uma besta que ficou presa por tempo demais e descobriu sua saída.

A boca seca e o gosto de sangue fétido invade os seus sentidos, envolvendo o seu pensamento em molduras decadentes. Algo do mundo exterior se faz presente. São as lágrimas quentes que caminham pela sua face, marcando com o ferro profano a trilha de vergonha e impotência.

Uma a uma, elas molham a roupa que veste, formando desenhos com pouco mais sentido do que o próprio ser que lhes originou, criador e criatura reunidos em um abraço macabro. As mãos incertas parecem tentar segurar a própria essência da vida, torcê-la e transformá-la a seu comando e tomam a forma das patas do pardal.

Um baque surdo e os joelhos caem ao chão com menos força do que deveriam. As costas arqueadas escondem um parasita, uma indesejada cicatriz de onde uma vez estivera as asas do sonhar, agora reduzidas a fiapos frágeis e tênues, que se desfazem mais e mais com cada movimento despretensioso dos ventos.

A cabeça pende levemente para frente, resignando-se à condição inescapável de mediocridade e angústia, os cabelos colando-se ao suor pegajoso do esforço inútil.

Por fim, os olhos se abrem e descobrem de súbito a imutabilidade do mundo e vêem, enfim, as finas e delicadas linhas de esperança destroçadas de forma irreparável.

É o fim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não apenas foi bem escrito, como demonstrou uma sensação que eu acredito ser incomum. Pelo menos eu só me lembro de ter sentido uma vez. Não foi agradável, mas eu nunca vou esquecer.


Ficou bom. Muito bom mesmo